quinta-feira, 28 de novembro de 2013

NOVAS LEIS FEDERAIS QUE AFETAM DIRETAMENTE O COTIDIANO DE CIDADÃOS.

As manifestações populares de junho mostraram que o gigante acordou. E os políticos brasileiros, pelo menos nos últimos dois meses (outubro e novembro) produziram projetos de leis federais que, aprovadas, entraram em vigor e terão impacto direto na vida de muitos brasileiros a partir de 2014.

Falamos, mais precisamente, das Leis Ordinárias Federais nºs:
- 12.886, de 26 de novembro de 2013, que trata da nulidade de cláusula contratual obrigando o consumidor a arcar com custos de material escolar de uso coletivo;
- 12.880, de 12 de novembro de 2013, que inclui novos tratamentos de cobertura obrigatória por planos privados de assistência à saúde;
- 12.879, de 05 de novembro de 2013, que concede isenção/gratuidade para o registro de atos estatutários necessários à adaptação, por associação de moradores/associação de bairros, dos registros ao Código Civil de 2002;
- 12.870, de 15 de outubro de 2013, regulamentado a profissão de vaqueiro;
- 12.869, de 15 de outubro de 2013, regulamentando a atividade lotérica;
- 12. 867, de 10 de outubro de 2013, regulamentando a profissão de árbitro de futebol;

A Lei Federal nº. 12.886 altera parte da Lei Federal nº. 9.870/99, que disciplina o valor total das anuidades escolares. A alteração consiste em alterar a redação do § 7º, do artigo 1º da Lei 9.870 e passa a ter a seguinte redação:
“§ 7o Será nula cláusula contratual que obrigue o contratante ao pagamento adicional ou ao fornecimento de qualquer material escolar de uso coletivo dos estudantes ou da instituição, necessário à prestação dos serviços educacionais contratados, devendo os custos correspondentes ser sempre considerados nos cálculos do valor das anuidades ou das semestralidades escolares.”. 

Dessa forma, passa a ser proibida a cobrança direta, em contrato de prestação de serviços educacionais, dos custos com a utilização de materiais e insumos de uso coletivo. Quem nunca ouviu falar de pais que pagam por consumo de papel sulfite, materiais de educação artística ou, até, materiais de limpeza em um rubrica específica?

Mas, se de um lado a lei protegerá os consumidores, de outro modo, ela também entra em vigor com prazo suficiente para que as instituições e estabelecimentos de ensino possam mensurar os custos com tais insumos e, se for o caso, repassar e diluir a despesa nas novas mensalidades, vigentes para o ano de 2014.

É que a lei não ignorou que a prestação privada de serviços educacionais é atividade econômica que, exceto no caso de entidades beneficentes ou filantrópicas, visa à produção do lucro.
Obviamente, haverá a diluição do custo “adicional” nas mensalidades/anuidades dos alunos. No entanto, o pagamento indevido (todos pagam por materiais cujo consumo e quantidade são incertos) será coibido, já que os aumentos deverão se demonstrados aos consumidores, sob pena de perda da clientela.

A Lei Federal nº. 12.880 alterou parte da Lei Federal nº. 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde) indicando a obrigatoriedade de cobertura dos seguintes itens: a) fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar; b) cobertura de tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral, incluindo medicamentos para o controle de efeitos adversos relacionados ao tratamento e adjuvantes; c) cobertura para tratamentos antineoplásicos ambulatoriais e domiciliares de uso oral, procedimentos radioterápicos para tratamento de câncer e hemoterapia, na qualidade de procedimentos cuja necessidade esteja relacionada à continuidade da assistência prestada em âmbito de internação hospitalar.

A Lei Federal nº. 12.879 dispôs que: “As associações de moradores são isentas do pagamento de preços, taxas e emolumentos remuneratórios do registro necessário à sua adaptação estatutária à Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil (...)”.

A Lei Federal nº. 12.870, ao disciplinar a provisão de vaqueiro, definiu com atribuições desse trabalhador as seguintes tarefas: práticas relacionadas ao trato, manejo e condução de espécies animais do tipo bovino, bubalino, equino, muar, caprino e ovino; realizar tratos culturais em forrageiras, pastos e outras plantações para ração animal; alimentar os animais sob seus cuidados; realizar ordenha; cuidar da saúde dos animais sob sua responsabilidade; auxiliar nos cuidados necessários para a reprodução das espécies, sob a orientação de veterinários e técnicos qualificados; treinar e preparar animais para eventos culturais e socioesportivos, garantindo que não sejam submetidos a atos de violência; efetuar manutenção nas instalações dos animais sob seus cuidados.

Segundo o texto legal, a contratação pelos serviços de vaqueiro é de responsabilidade do administrador, proprietário ou não, do estabelecimento agropecuário de exploração de animais de grande e médio porte, de pecuária de leite, de corte e de criação. Dessa forma, o vaqueiro passa a ter maior facilidade para ser reconhecido como empregado perante a Justiça do Trabalho e, no caso da aposentadoria, comprovar a condição de segurado do INSS.

A Lei Federal nº. 12.869 disciplinou a atividade dos lotéricos e acrescentou que “O exercício da atividade de permissionário lotérico não obsta o exercício de atividades complementares impostas ou autorizadas pela outorgante, nos termos e condições definidos pela legislação e normas reguladoras vigentes.”. Segundo a Lei Federal, a Caixa Econômica Federal, como outorgante da permissão de serviços lotéricos e quando se enquadrar na condição de contratante de serviços de correspondente bancário, prestará assistência e consultoria, fornecerá orientações e ministrará treinamentos e todas as demais instruções necessárias ao início e à manutenção das atividades do permissionário, bem como à implementação de inovações operacionais indispensáveis ao exercício da atividade e à melhoria na gestão e desempenho empresarial, ficando por conta do permissionário as despesas com transporte, alimentação, hospedagem e outras que não estiverem ligadas ao objeto do treinamento ou curso necessário.

Não é novidade que as Lotéricas se tornaram, de fato, verdadeiras agências bancárias da Caixa Econômica Federal. Todavia, os empregados lotéricos cumprem jornada muito maior, trabalham submetidos a sistemas de segurança menos rígidos (insegurança!) em recebem salários bem menores que o dos servidores da CEF.

A Lei Federal nº. 12.867 cuidou de tratar da profissão do árbitro de futebol, e pode ser aplicada por analogia a árbitros de outras competições esportivas. Segundo a lei o árbitro de futebol exercerá atribuições relacionadas às atividades esportivas disciplinadas pela Lei no 9.615, de 24 de março de 1998, destacando-se aquelas inerentes ao árbitro de partidas de futebol e as de seus auxiliares.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA DE SERVIDOR PÚBLICO É MATÉRIA DE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

Muito se fala, por exemplo, da aposentadoria compulsória de membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, que são concedidas após a constatação de desvios funcionas de tais agentes.

O entendimento do cidadão comum considera que a aposentadoria compulsória seria uma premiação, em vez de efetiva punição.

Esse raciocínio NÃO leva em consideração todas as particularidades envolvidas em discussões sobre o tema, e de certa forma é dominada pela mesma passividade que questiona o direito do familiar de pessoa, que contribuído para o INSS, haja sido presa e em razão da privação da sua liberdade, seus familiares tenham o direito de pleitear auxílio-reclusão.

O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário destinado à família de pessoa presa, mas DESDE QUE O APENADO tenha sido contribuinte-pagante da Previdência Social. Ou seja, somente o familiar do preso que tenha recolhido contribuições ao INSS poderá pleitear auxílio-reclusão. E, cá para nós: você conhece algum marginal profissional que contribua para o INSS?
Certamente, não. Isso significa que o auxílio-reclusão socorre a família de alguém que, não sendo “marginal profissional”, cometeu algum deslize na vida... Se houve o pagamento para o INSS, nada mais justo.

Ao contrário do que ocorre com os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, aos demais servidores civis (União, Estados e Municípios) que sejam punidos por desvios funcionais graves é aplicada a pena de demissão e, quando já aposentado (às vezes, até para evitar a demissão), a pena de cassação da aposentadoria.

A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil ingressou, em 11/2012, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº. 4882).

Após discorrer sobre a história do sistema de previdência social (surgimento e evolução até o momento), a ANFIP analisa a questão no texto da CF/1998 e as reformas implantadas pelas EC nº. 20/98 e 41/2003, quando foram criados os requisitos de tempo de serviço, idade e de contribuição. Ao final, a ANFIP pleiteia a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 127, IV e 134 do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União.

O fundamento do pedido é o caráter contributivo da previdência do servidor púbico, e a necessidade de proteção do ato jurídico perfeito.

O objetivo é proteger as aposentadorias já concedidas. Em nosso entender, todavia, haveria a necessidade de proteção jurídica aos que tiveram negadas as aposentadorias. Afinal, segundo o artigo 5º da CF: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,(...).”.

No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a questão teve desfecho recente, quando foi proferida decisão no Mandado de Segurança nº. ° 0237774-66.2012.8.26.0000 e que contou com a seguinte ementa:
“MANDADO DE SEGURANÇA - Cassação de aposentadoria de Delegado de Polícia pronunciada pelo Governador do Estado - Hipótese em que incumbe ao Judiciário, no controle de legalidade, a verificação dos antecedentes de fato e sua congruência com as justificativas que determinaram a decisão administrativa, ou seja, o exame dos motivos que a ensejaram - Disciplina punitiva que deve subordinar-se ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo, no qual se contêm a razoabilidade, impondo-se então a equivalência entre a infração e a sanção aplicável — Ato administrativo impugnado que contém indicação plausível dos motivos que conduziram a autoridade apontada como coatora ao entendimento de que os fatos atribuídos ao impetrante poderiam ser tomados como de natureza grave a ponto de lhe ser aplicada a pena máxima, mostrando-se então legítima a opção adotada - Insubsistência do ato, no entanto, pela manifesta incompatibilidade das leis que preconizam a cassação de aposentadoria como sanção disciplinar com a nova ordem constitucional, estabelecida a partir da promulgação das ECs n°s. 03/93 e 20/98 - Aposentadoria que não mais representa um prêmio ao servidor, constituindo um seguro, ou seja, um direito de caráter retributivo face ao binômio custeio/beneficio - Pena de cassação de aposentadoria que importa, ademais, em violação aos princípios da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana - Ordem concedida.”

O “placar” no julgamento desse Mandado de Segurança foi - podemos dizer - apertado. Houve pronunciamentos favoráveis ao reconhecimento da inconstitucionalidade da cassação de aposentadoria, mas houve elogiosa (igualmente consistente) defesa da medida. Em seu voto divergente, o Des. Cauduro Padin, por exemplo, ressaltou ausência de tratamento igualitário (citada por nós logo acima antes mesmo da leitura da presente decisão), ponderando que: 
“(...) A pena de cassação de aposentadoria eqüivale à de demissão, de modo não se pode admitir que um servidor que praticou falta grave, quando na ativa, a ensejar pena de demissão, seja premiado com a impunidade pelo advento da aposentadoria.
Vista de outra maneira, a questão acabaria por resolver-se no seguinte: celeridade exacerbada (e talvez tumulto) do procedimento administrativo, inclusive com possibilidade de afronta ao devido processo legal, para que a Administração pudesse punir a tempo servidor que, tendo praticado falta grave, está em vias de se aposentar.
Com efeito, a aposentadoria previamente à decisão no procedimento disciplinar ensejaria verdadeira afronta à isonomia, afinal, o servidor da ativa seria punido com pena de demissão e o servidor que acabara de se aposentar, tendo praticado fato idêntico, não seria punido; pior, se fossem co-autores - um é demitido e o outro, não. Há afronta à isonomia. (...)”.

Importante acentuar que os TJ/SP apontou a congruência entre a gravidade do desvio funcional e a proporcionalidade da pena aplicada, destacando violações perpetradas, em certo momento do processamento disciplinar, contra o direito ao devido processo legal.

A decisão reconheceu a gravidade da ação/omissão do servidor punido, mas por força da alteração do sistema previdenciário do servidor público (que passou a exigir a contrapartida para a concessão da aposentadoria futura) não seria mais possível admitir a anulação da concessão da aposentadoria como forma de punição, sob o risco de enriquecimento indevido do Estado.

Certamente, o assunto ainda demandará maiores debates. De fato, nada impede que o servidor público demitido possa pleitear a (limitada) aposentadoria do INSS.

Entretanto, é certo que os recolhimentos efetuados pelo servidor foram realizados com foco na concessão da aposentadoria integral e paritária, algo impossível pelo regime do INSS. Neste contexto, de direito, a cassação ou a negação de aposentadoria representa violação jurídica praticada pela Administração Pública. Além disso, os demitidos antes da aposentadoria (ou que tiveram a aposentadoria negada), embora excluídos dos questionamentos formulados, têm o mesmo direito de reclamar igualdade de tratamento. Afinal, se quem é demitido de empresa privada não é excluído do regime do INSS, quem é desligado do serviço público, igualmente, não perde o vínculo estabelecido com a carteira previdenciária para a qual contribuiu.